Os poetas viajam nas bagagens do pensar. Levitam como folhas ao tempo e aportam nas terras do coração. Como bem expressava Cora Coralina “- Não sei se a vida é curta ou longa para nós, mas sei que nada do que vivemos tem sentido, se não tocarmos o coração das pessoas. Muitas vezes basta ser: colo que acolhe; braço que envolve; palavra que conforta; silêncio que respeita; alegria que contagia; lágrima que corre; olhar que acaricia; desejo que sacia; amor que promove. E isso não é coisa de outro mundo, é o que dá sentido à vida. É o que faz com que ela não seja nem curta, nem longa demais, mas que seja intensa, verdadeira, pura enquanto durar. Feliz aquele que transfere o que sabe e aprende o que ensina.
Lembro-me de você. Você... Eleger seu nome? Não. Prefiro não ser leviana. Tantas bagagens trago no apreço das lembranças. Madrugada silenciosa, vento frio, sereno, tomado pela fumaça do café fresquinho, recém passado. Divido com meu companheiro enternecido – meu caderno de boas lembranças. Descortinar este protagonista que me tornara tão viva, madura, faz-me levitar. Registrar o alvitre de um vagão que me atrai ao porto, lugar de partida e chegada de uma estada chamada coração.
As lembranças cintilam o olhar para o horizonte. Lembro-me da maneira como fui criada. O maior legado que me inspira todas as manhãs – meus pais. Eles me enriquecem com suas experiências. Suas vozes são músicas regidas pela sabedoria. Ao conversar ensinavam como se tornar vencedor. O norte para vencermos todos os embates, diziam eles, virá se amarmos a Deus sobre todas as coisas. Se acalentarmos este amor incondicional, grandes triunfos serão colhidos ao longo da vida. Na receita, não poderia faltar - a determinação, a perseverança, o altruísmos, imbatíveis nesta estrada íngreme e interessante. Eles me ensinam tanto a cada dia, e sempre acrescentam com seus ensinos, o segredo: – O nosso olhar deverá refletir a expressão do poeta - Sou pequenininho, mas sempre olho para os montes.
O diálogo dos meus doces exemplos, aprazíveis como sempre, era trazido pelas suas experiências. Nunca ensinavam o que não viviam. O referencial de família, de casamento sólido, cheio de amor, corria nas minhas veias. Nunca poderia apartar da coerência de seus ensinos. Sou tão feliz por isto. Tão grata. Todos os dias os beijo, converso, peço conselho, compartilho e não deixo um só dia que seja - expressar o meu amor por eles. Não só com palavras. Mas com gestos que os façam compreender o meu reconhecimento incondicional.
A nossa infância, adolescência fora adoçada pelo acolhimento.
A casa era cheia. Os amigos sempre foram bem recebidos. Como excelentes anfitriãs, os deixavam inteiramente à vontade. Eram momentos alegres e muito leves por sinal. Até hoje as pessoas lembram e perguntam pelos meus pais. Resultado: - Aprendi a receber amigos de meus filhos como filhos também. Apreciamos filmes com deliciosas pipocas. Dividimos momentos pelo sentimento agradável que alguma coisa faz nascer em nós. Nossa casa é lar. Aconchego é o seu nome.
No recôndito lugar de boas lembranças, os raios de sol se projetam para o alvorecer do dia. Eu e os meus três irmãos éramos despertados pela vitrola de meu pai – um aparelho de som usado para tocar discos de vinil, tinha amplificador e alto-falante, compondo uma só peça. As vitrolas podiam ser grandes ou portáteis. Elas podiam caber dentro de uma maleta, já outras eram como móveis em casa tinham gavetinhas e tudo mais, parecendo inclusive um armário. A nossa era portátil. Aliás, não era nossa, fora emprestado por um amigo de meu pai, chamado Francisco. Meu pai nos acordava pela musicalidade. Louvores a Deus que adentravam em nossa mente com leveza e nos inspirava para o dia a dia.
As lembranças que trago no meu peito, são indescritíveis, Translúcida memória, ligação da última nota de um compasso vital Prezo nesta jornada o que há de melhor. Afago nas bagagens do meu pensar, você que compõem a minha história com notas de um canto agradável.

Caminhamos ao vento, a sombra de uma árvore, às vezes, sob o sol ardente, tomados no cair da noite pela brisa fria do luar. Quicar nas ruelas desta vida, sorrir para o passado, agradecida pelo frescor das lembranças que me fizeram tão feliz.
E como diria o saudoso Mário Quintana:
“- A vida é o dever que nós trouxemos para fazer em casa... Seguraria o amor que está a minha frente e diria que eu o amo... E tem mais: não deixe de fazer algo de que gosta devido à falta de tempo. Não deixe de ter pessoas ao seu lado por puro medo de ser feliz. A única falta que terá será a desse tempo que, infelizmente, nunca mais voltará."